COZINHA ARQUEOLÓGICA - 2

sexta-feira, outubro 01, 2010

Então, cá vai mais um pouco da Cozinha Arqueológica de Eça de Queirós.
Ao ler o que ele escreveu no séc. XIX, reconheço hábitos que ainda hoje permanecem em pleno séc. XXI !

Segundo ele, "a mesa constituiu sempre um dos fortes, senão o mais forte alicerce das sociedades humanas. Já os Gregos diziam, que a mesa é a alcoviteira da amizade! Não só da vida íntima, mas na vida pública das nações, o jantar constitui a melhor e a mais solene cerimónia que os homens acharam para consagrar todos os seus grandes actos, imprimir-lhe um carácter de união e de comunhão social. Outrora não havia fundação de cidade, tratado de paz, instalação de magistratura, que não fosse acompanhada e corroborada por um festim. (Onde é que eu já vi isto? He,he!) Ainda hoje (1893) se não cria um grémio ou um sindicato, sem que os sócios jantem, cimentando os estatutos com champanhe e túbaras. As próprias relações do homem com a divindade estabeleceram-se sempre através da comida. O sacrifício da rês, sobre a ara, era uma espécie de merenda espiritual, em que o Deus, atraído pelo cheiro da carne assada, descia e se tornava acessível ao crente, partilhando com ele as vitualhas santas. O cristianismo, neste ponto, concordou com o paganismo - e a missa, pela consagração do pão e do vinho, é um verdadeiro banquete celebrado entre a terra e o céu.
Ora porque a cozinha e a adega exercem uma tão larga e directa influência sobre o homem e as sociedades, é que eu estranhava há pouco, folheando Ateneu, que a erudição arqueológica não estudasse de um modo mais experimental e íntimo a cozinha dos antigos, para lhes aprofundar mais completamente a estrutura moral. Diz-me o que comes, dir-te-ei quem és. O carácter de uma raça pode ser deduzido simplesmente do seu modo de assar a carne. Um lombo de vaca preparado em Portugal, em França ou Inglaterra faz compreender talvez melhor as diferenças intelectuais destes três povos, do que o estudo das suas literaturas. O macarrão é por si só o mais instrutivo comentário da história das Duas Sicílias. E, sendo esta uma verdade admitida já desde Montesquieu, porque se tem descurado tão levianamente o estudo prático da culinária greco-latina?
Decerto, não são os documentos que faltam. A mesa e os seus prazeres foram um dos assuntos sobre os quais se exerceu, com mais afinco, o génio poético e mesmo filosófico dos Antigos. Horácio, filho dedicado do Epicuro, não cessou de cantar honestamente a garrafa e o prato. Todo um livro dos Epigramas de Marcial é consagrado a celebrar o que se come e o que se bebe. Com o mesmo cálamo que traçava a Eneida, Virgílio compôs um poema sobre os doces de sobremesa. O mais severo dos homens, Catão, dedica páginas graves à couve, às suas variedades, às suas virtudes, à sua acção nos costumes. De uma simples ceia, Petrónio tirou todo um livro. E a História do Mundo, do sábio Plínio, é quase uma história universal dos comestíveis."

Como vêem, Eça queria era as receitas antigas experimentadas e servidas ao jantar, para poder avaliar dos sabores daquilo a que chamou Cozinha Arqueológica. Para isso teria de ter nascido um século depois...
Só há poucos anos é que temos vindo a descobrir antigos produtos, antigos sabores e a reconstituir antigas receitas,  que com o tempo foram caindo em desuso e deixaram de ter memórias para nós.
Amanhã continuarei com este tema, para quem gostar e quiser passar por cá.
Obrigada a todas as amigas que deixaram os seus comentários. Se não fossem eles, talvez eu não voltasse ao assunto por pensar que não vos tinha agradado.
Tenham um bom fim-de-semana. (Detesto a sigla...faz-me lembrar outra coisa, he, he!)
Beijinhos da

Bombom = Tia Fátima = Avó Fátima

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7 comentários

  1. Olá Bombom,
    Muito interessante este tema e de facto à mesa muitas decisões são tomadas, muitas amizades se fazem, muitas alegrias se têm...etc...etc...
    Há uns anos não ligava muito a essa coisa de comer e beber, até compreender que culinária é arte, identifica os povos e as suas tradições, revela a diversidade do mundo e depois uma boa refeição e um bom vinho dão outra alma!...rsrsrs
    Bom fim-de semana.
    Beijinhos,
    Manú

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  2. Bombom.
    Um texto muito bem redigido e que me faz pensar na importância da alimentação em relação ao nosso lado emocional.
    Parece existir uma proximidade entre estas duas realidades.
    O alimento que é tão sagrado e que poderia estar disponivel para todas as pessoas.
    Boa tarde.
    Um abraço bem grande para você.

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  3. Que posts deliciosos minha amiga. Realmente se vê a identidade de um povo através da riqueza e diversidade de sua mesa.Tenho uma amiga portuguesa que mora cá no Brasil há muitos anos e é especialista em gastronomia do tempo do Império. Dá inclusive palestras sobre isso. Foi, durante muito tempo quem cuidava do bistrô do Museu Imperial de Petrópolis, que infelizmente mudou de diretoria e a mandaram embora. Lembrei-me dela ao ler teu post. Gostei muito de ler-te. Beijos e bom fim de semana.

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  4. Que posts deliciosos minha amiga. Realmente se vê a identidade de um povo através da riqueza e diversidade de sua mesa.Tenho uma amiga portuguesa que mora cá no Brasil há muitos anos e é especialista em gastronomia do tempo do Império. Dá inclusive palestras sobre isso. Foi, durante muito tempo quem cuidava do bistrô do Museu Imperial de Petrópolis, que infelizmente mudou de diretoria e a mandaram embora. Lembrei-me dela ao ler teu post. Gostei muito de ler-te. Beijos e bom fim de semana.

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  5. Sim, Bombom, estamos adorando conhecer através de seus posts coisas tão culturais.
    Cozinha é verdadeiramente uma arte e estar à mesa com família ou amigos também um deleite. amo!
    beijos cariocas

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  6. Nossa que delicia ler um pouco de história! adorei o texto!
    um beijo doce
    Roberta

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