COMIDAS COM HISTÓRIA - BIFE À MARRARE
sábado, fevereiro 12, 2011Depois de uma breve ausência devida apenas à inércia fria que se apoderou de mim nestes dias de Inverno, cá estou eu de novo a abrir O Meu Estaminé.
Estava eu a ler o livro de Manuel Guimarães "À Mesa com a História" e achei interessante esta passagem que resolvi partilhar convosco. Trata das origens do Bife à Marrare, tão conhecido na cidade de Lisboa, como famoso ficou ao figurar em muitos livros de Culinária.
"António Marrare, foi um napolitano contratado no último quartel do séc. XVIII ( cerca de 1775), pelo faustoso marquês de Nisa, como copeiro privativo.
Profundo conhecedor do seu ofício, o italiano cedo se apercebe da magnífica oportunidade que lhe oferecia esta bela Lisboa, de sórdidas baiúcas, onde ainda faltavam os botequins de luxo que a Europa já conhecia e gostosamente frequentava.
António Marrare despede-se dos Senhores de Nisa e abre, num ápice, dois magníficos botequins, onde a Lisboa elegante e endinheirada acorreu, atraída pelos talheres de boa prata de lei, pela pureza do café moka e pelas bebidas importadas, adereços de uma apetitosa cozinha italiana que o gerente conhecia na perfeição.
Seria, porém, o bife, o célebre Bife à Marrare inventado e servido por este pioneiro dos restaurantes modernos, o que melhor cairia no goto do lisboeta, resistindo nalguns cardápios de restaurantes, há quase dois séculos, sem sombra de cansaço.
Era alto e cortado do pojadouro. Fritava-se em manteiga numa frigideira de ferro, mantendo-se até que a carne ganhasse cor, conservando-se por dentro mal passada. Nesta altura, temperava-se com sal, substituía-se a manteiga na frigideira e continuava-se a operação a lume brando. Ao suco da carne, juntava-se pouco depois duas colheres de natas, deixando reduzir até à consistência desejada. As batatas fritas, encapotadas num guardanapo de pano forte, serviam-se ao lado.
O napolitano, seus familiares e sucessores, serviam pessoalmente este magnífico bife à Lisboa culta e aventureira, até que, em 1866, o último botequim dos Marrare se apagou de vez, para dar lugar a uma prosaica sapataria, amputando Lisboa de um marco histórico inesquecível. Felizmente, salvaram-se os bifes."
Bife à Marrare
Por pessoa:
1 bife alto do pojadouro (200g)
80g de manteiga (ou margarina)
3 colheres de sopa de natas
sal q.b.
pimenta preta em grão q.b.
Numa frigideira de ferro ou aço forte,derrete-se em lume vivo metade da manteiga ou margarina. Quando estiver bem quente, introduz-se o bife e deixa-se alourar de um dos lados. Vira-se o bife sem o picar e aloura-se do outro lado. Esta operação, que deve ser relativamente rápida, tem por fim evitar que o suco da carne saia. Tempera-se com sal grosso e pimenta moída na altura.
Escorre-se da frigideira a gordura em que o bife fritou (conservando o bife) e junta-se a restante manteiga. Reduz-se a chama e deixa-se cozer o bife durante uns minutos, agitando a frigideira. Adicionam-se as natas e deixa-se engrossar o molho, continuando a agitar a frigideira.
Coloca-se o bife num prato aquecido e rega-se com o molho. Serve-se acompanhado com batatas fritas em palitos, dentro de um prato coberto por um guardanapo.
Esta receita é do livro Cozinha Tradicional Portuguesa, de Maria de Lurdes Modesto. Em nota final, ela refere que este bife era servido no princípio do século passado, no célebre Marrare das Sete Portas, propriedade "de um homem de requinte, nascido na Galiza e de apelido Marrare".
Portanto é bem possível que com o passar dos tempos ele tenha mudado "de mãos", mas mantendo sempre o mesmo espírito de requintado bom gosto.
Achei curioso, porque no Livro de Pantagruel, embora a receita seja exactamente a mesma, refere que "se reserva a gordura em que se faz a primeira fritura do bife. Na segunda fritura com nova manteiga, depois de acrescentadas as natas, junta-se a gordura reservada e engrossa-se o molho".
Desejo a todos um óptimo fim de semana. Beijinhos da
Bombom (Tia Fátima ou Avó Fátima)
7 comentários
é sempre bom passar por aqui, aprendo sempre algo de novo.
ResponderEliminarp.s.: já fiz as conservas de coentros, são uma maravilha.
Tenho esses dois livros que referiste mas nunca fiz esta receita porque não me relaciono com bifes he he No entanto, o molho deve ser bem bom :)
ResponderEliminarEsse bife abriu-me o apetite, ainda por cima um bife com história...
ResponderEliminarBeijossss
Oi, Fátima!
ResponderEliminarQue interessante! Gostei demais. Se salvaram-se os bifes, quem sabe um dia (espero que em breve) não poderei saboreá-los aí em Lisboa?
Um grande abraço
Socorro Melo
Olá Fátima!
ResponderEliminarComo sempre com bonitas estórias acompanhar as receitas... sabes uma coisa? Além de gostar da receita do bife com o selar o bife para os sucos~da carne não se perderem o que eu digo esse método é fantástico, mas, muito me agradou do botequim ter passado a sapataria, já agora sabes o nome da dita? é que eu sendo pequena na altura não conheci essa história mas, gostava de saber pois, podia ser alguma sapataria do meu pai!Obrigada amiga por nos presenteares sempre com dicas e receitas tão preciosas...
abraço carinhoso mesmo
IM
Isabel, não consegui saber o nome da Sapataria, pois o autor do livro "À Mesa Com a História", Manuel Guimarães, não o refere. De acordo com as suas palavras e com a informação retirada do livro da Maria de Lurdes Modesto, "Cozinha Tradicional Portuguesa", vê-se que foi na Baixa Lisboeta, mas é muito difícil, só com estes dados, localizá-lo melhor.
ResponderEliminarAgora já sei de onde é que te vem a paixão pelos sapatos e pelo Louboutain (he, he)!
Bjs.
pois amiga, eu cresci dentro dos sapatos. E com quinze anos quiz deixar de estudar e o meu pai abriu-me uma sapataria em Campo de Ourique para mim só! Era na Rua Almeida e Sousa nº 45 e chamava-se HELLA (eu)(sorrisos) por isso amiga quando digo que sou surtada por calçado sou mesmo e não porque é moda gostar-se de sapatos, já sabes que eu não vou em modas. Obrigada pela tua atênção por tentares saber. Se eu tivesse ainda o meu pai ele esclarecia-me com toda a certeza pois ele sabia tudo de Lisboa.
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